Passeando pelo Restelo
Ilya: Qual é que foi o auge dos Descobrimentos? António: Provavelmente a descoberta do caminho marítimo para a Índia, por Vasco da Gama, em 1498 porque consolidou o domínio das rotas comerciais pelos portugueses, e transformou o reino de Portugal num Império. Ilya: E o que é os portugueses traziam de lá da Índia? António: Principalmente especiarias. Canela, pimenta, gengibre. Mas trouxemos de lá hábitos culturais que acabámos por universalizar. Ilya: Ah, sim? Por exemplo? António: Hábitos vestimentários, por exemplo. A roupa de interior, para além do xaile, das sandálias. Mesmo essa t-shirt que trazes vestida é a herança de um hábito indiano que os portugueses adotaram e espalharam pelo mundo, bem antes que o Marlon Brando começasse a usá-los nos célebres filmes de Hollywood. Ilya: Estás a brincar? António: Não estou, não. A propósito, o bronzeado, que faz parte dos cânones de beleza contemporâneos, nao deixa de ser uma “invenção” portuguesa, fruto dos descobrimentos. Ilya: Como tal? António: A expansão no Oriente combinou-se com um movimento de divulgação da fé cristã. Foram enviados missionários para a Índia e outros pontos do Oriente. E os métodos de conversão eram surpreendentes. O missionário João de Brito, no século XVII, passou a vestir-se como os membros de uma das castas mais altas, a usar cabelos compridos, e a usar unguentos escuros na pele, com o objetivo de se identificar com eles, e desta feita de os conquistar. De acordo com o antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, este seria o primeiro homem branco a tentar adquirir uma tez mais escura. Ilya: É espantoso. Quem diria! António: Pois é, pode-se dizer que o bronze é uma marca registada portuguesa. Ilya: Ouvi dizer que os portugueses tinham sido os primeiros ocidentais a chegar ao Japão. António: Provavelmente. E começaram logo a negociar com os japoneses. Ao fixarem-se um pouco mais tarde em Macau, na China, estabeleceram as relações comerciais entre os dois países, e de um modo geral entre os vários pontos da Ásia. Ilya: Quais são os vestígios da presença portuguesa no Japão? António: São abundantes. É importante relembrar que na segunda metade do século XVI, o português era o meio de comunicação dos estrangeiros com o Japão. A primeira gramática de japonês é da autoria de um missionário português. Os portugueses introduziram novos conhecimentos em vários domínios, tais como a astronomia, a medicina, a matemática. E a eles se deve a introdução das armas de fogo no Japão. Ilya: O Brasil também teve grande importância na era dos Descobrimentos. António: Teve. Pedro Álvares Cabral achou-o quase por acaso, a caminho da Índia, vendo a sua rota desviada pelas correntes para oeste. Há quem diga que os portugueses já tinham descoberto o Brasil, antes de 1500. Aliás corrobora essa versão o facto de os portugueses terem pedido mais léguas na negociação do Tratado de Tordesilhas celebrado em 1494 entre Portugal e Espanha para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da Europa. As ditas léguas abrangiam de facto uma área correspondente ao território do Brasil. Só nos voltámos para o Brasil quando o Império do Oriente começou a entrar em decadência. Ilya: O Brasil constituiu uma grande fonte de riqueza para Portugal, não é verdade? António: É, sim. Muito cedo os portugueses aperceberam-se da existência de uma grande concentração de árvores denominadas de pau-brasil, das quais extraíam um pigmento de coloração vermelha de grande valor comercial, usado no tingimento de tecidos. A esse pigmento se deve o nome do país. Um pouco mais tarde, começaram a cultivar a cana-de-açúcar, muito prezada em toda a Europa. Para tal, usaram mão-de-obra escrava de origem africana. A partir do século XVIII, iniciou-se a extração do ouro. Ilya: O ciclo do ouro abriu um período de grande fausto para Portugal, não foi? António: A exploração do ouro brasileiro fez com que D. João V (1706-1750) governasse com grande luxo e ostentação. Durante o seu reinado construiram-se imensas igrejas barrocas e palácios. No reinado de D. José I (1750 a 1777), o seu ministro, o Marquês de Pombal canalizou o afluxo de ouro, e adotou medidas para promover a produção nacional e impulsionar a indústria portuguesa. Considerava que a riqueza dos estados consistia na acumulação de ouro e prata, na diminuição das importações e aumento das exportações. A sua ação política levou a que Portugal deixasse de estar à mercê dos interesses económicos de Inglaterra. Ilya: Porque é que o Império entrou em decadência? António: A perda do Brasil no primeiro quartel do século XIX foi um golpe fatal na manutenção do Império. E Portugal teve que enfrentar as potências europeias para conservar o Império que se foi fragmentando aos poucos. Ilya: O que resta da grande obra dos descobrimentos? António: Como sabes, já não temos colónias. Voltámos ao paradigma inicial, à nossa pequenez territorial europeia. Depois de ficarmos sem império, como o declarou o historiador e repórter José Milhazes com humor, “só nos restavam duas hipóteses: atirar-nos ao mar, ou aderir à União Europeia.” A segunda opção foi a que escolhemos. O célebre escritor Antero de Quental, na sua comunicação sobre “As Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos” acabaria por fustigar “o sistema económico criado pelos descobrimentos, de rapina guerreira, que tinha impedido o desenvolvimento de uma pequena burguesia”. Mas a bem dizer, Ilya, olhando para a história, todos os impérios acabaram por cair por terra.
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