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EmigrantesIlídio






 

Estavam na França e, por isso, tinham outro tipo de medo. Passavam pelos guardas franceses sem receio, o Cosme fazia mesmo questão de se baixar a atar as bo­tas diante deles, mas carregavam problemas de outra or­dem. Tinham chegado à estação de Hendaia depois de um caminho desmedido pelas montanhas. E avançaram para Hendaia, foram logo para os comboios, conforme estava explicado no papel que o espanhol da quinta lhes entregara. Na casa de ba­nho da estação, enquanto lavavam a cara, os braços e o peito, um francês ofereceu-se para trocar o dinheiro espa­nhol que o Ilídio tinha conseguido guardar. Parecia uma boa quantia, tinha um certo volume, mas apenas recebeu três notas francesas em troca. Ficaram desconfiados, mas não conseguiram imaginar uma alternativa e, quando pro­curaram o francês, já não o encontra­ram em lado nenhum.

Bi-lhe-tes pa-ra Pa-ris.

O Ilídio falou alto para o francês que o olhava desde o buraco da bilheteira, dividiu as palavras para que en­tendesse melhor, mostrou-lhe dois dedos de uma mão e, com a outra, apontou para si próprio e para o peito do Cosme. O francês da bilheteira enrolou algumas frases e, quando viu que o Ilídio não percebia, escreveu um núme­ro num papel.

O que é que andaste a fazer estes anos todos na es­cola?

O Ilídio começava a agastar-se com o Cosme, estu­dante da treta, que, tanto estudo, tanto estudo, e nem se­quer era capaz de dizer uma palavra em francês. Sempre fui muito melhor a latim. A contribuir para essa irritação, o dinheiro que pos­suíam não chegava sequer para cobrir um terço do núme­ro que estava escrito no papel. Foi então que caminharam desconsolados ao longo de uma plataforma da estação e, com a navalha, dividiram a maçã.

Zanga e desânimo, ficaram uma hora sem falar. Essa hora foi contada pelo ponteiro maior do relógio da esta­ção, uma volta completa. Depois, com a voz a sair da rouquidão, o Ilídio sugeriu que procurassem um traba­lho. O Cosme não podia com os braços e com as pernas, e apresentou todo o género de perguntas: como, onde, quando, a fazer o quê. O Ilídio não tinha respostas certas, só uma esperança vaga. Ficaram a falar assim, sen­tados num banco da estação, enquanto franceses passavam à sua volta. Eram homens e mulheres com ideias que não partilhavam, que não se conseguiam distinguir nos seus rostos. E nem eles se interessavam pelos franceses, nem os franceses se interessavam por eles. Para os franceses, eles eram como um poste ou qualquer figura cinzenta. Para eles, os franceses eram como sons distantes. Mas houve um homem, gabardina e chapéu, que ficou parado a pou­ca distância e que, ao olhá-los, esboçava um sorriso.

Quando o homem se inclinou sobre o Ilídio e o Cosme, quando falou para eles, não o entenderam logo, de­moraram a perceber que era português. Não tinha bigode, barba ou óculos, que, certamente, seriam contributos para a sua distinção, mas tinha um cachecol pousado sobre os ombros, mais escuro do que a gabardina, e tinha uma pos­tura distinta, voz amigável, talvez tenha sido por isso que o Ilídio e o Cosme não o entenderam de imediato. Ofere­ceu-se para lhes pagar o bilhete.

O Ilídio teve dúvidas, mas fixou-lhe o olhar até se tranquilizar. O Ilídio acreditava que a generosidade se po­dia distinguir dessa maneira. O Cosme estava já preparado para carregar a mala do homem, levantou-a com as duas mãos quando começaram a dirigir-se para a bilheteira. A mala não era pequena mas, mesmo assim, era bastante mais pesada do que parecia. Ou talvez fosse a fraqueza acumulada do Cosme que a tornava custosa de carregar.

Ainda estava a recuperar o fôlego e já o homem, de bilhetes comprados, guardava a carteira. O Ilídio recebeu os bilhetes na palma da mão e, ao inspeccioná-los, perce­beu que eram de primeira. Baralhado, interrogativo, olhou para o homem, que lhe respondeu com um sorriso brando: A companhia dá-me jeito.

O Ilídio carregou a mala com a dificuldade que o Cos­me já conhecia. Enquanto esperaram pelo comboio, o ho­mem ouviu o Cosme a descrever-lhe toda a viagem que tinham feito até aí. Riu-se com educação nas partes cómi­cas e consternou-se nas partes trágicas. Fez comentários de solidariedade assertiva: ÉE lamentável que os nossos compatriotas tenham de padecer agruras como essas.

Assim que o comboio chegou, barulho, agitação, cabe­ças portuguesas a saírem pelas janelas. O Ilídio sentiu-se tímido ao atravessar o corredor da carruagem da primeira classe. Pareceu-lhe que, tanto os revisores como os passa­geiros, fumadores de cachimbo, o olhavam com desdém. O Ilídio e o Cosme juntaram as forças para erguer a mala até à prateleira das bagagens. O homem preocupava-se com o esforço dos dois parceiros de viagem e, ao mesmo tempo, verificava as horas no relógio de bolso.

O Ilídio só queria que o comboio começasse a andar, tinha curiosidade ou ansiedade, não era capaz de distin­gui-las. As vozes dos portugueses nas outras carruagens enchiam a estação e chegavam distantes à primeira classe. O homem tirou a gabardina, dobrou-a e sentou-se, abriu um jornal imenso. Nesse tempo leitor, entraram dois guar­das franceses.

O Cosme sorria, cuidava que tinham chegado à Fran­ça e que já nada podia acontecer. Os guardas pediram os passaportes.

O homem não teve problemas, continuou cordial, cordialmente. Apresentou o documento, bem conservado, os guardas observaram-lhe a superfície, tudo em ordem, e ficaram a olhar para o Cosme e o Ilídio, que olharam um para o outro. Então, explicaram ao homem que não tinham passaporte. O homem não perdeu a calma e, em francês, ditou qualquer coisa aos guardas, que também não perderam a calma e, com gentileza, retiraram-se. O homem sorriu e voltou a abrir o jornal diante de si. O Ilídio e o Cosme nunca souberam o que disse aos guardas. Após um compasso, o comboio partiu. (...)

 

Tinham estado sentados à volta de uma mesa baixa. O homem levantava a colher de sopa e parava-a no ar an­tes de a pousar no interior da boca. O Cosme tinha en­fiado a ponta de um guardanapo no colarinho da camisa e o seu olhar não parava. Mais comer, quando chegava mais comer? O Cosme tinha comido o pão, o puré de batata, a carne, e recolhia o molho com o lado do garfo. O Ilídio tinha-se envergonhado, mas tinha comido tam­bém, baralhado com os talheres e com a solenidade que as pessoas mantinham naquela carruagem de candeeiros foscos. O empregado, fardado, traduzido pelo cavalheiro que os acompanhava, tinha tratado o Cosme por monsieur ao perguntar-lhe se desejava mais ervilhas. Pergunta inútil, a resposta era evidente. (...)

O que o leva a Paris?

Quando estava acordado, o Cosme gostava de fazer perguntas. O homem desculpou-se, precisava de ir aos la­vabos. Mal saiu, o Cosme descuidou-se.

O Ilídio olhou-o sem paciência. Ficaram calados. Na estação de Orléans, o Cosme abriu a janela e assomou-se. Voltou coberto pelo apito do chefe de estação. Trazia o peito preenchido de ar novo. O sorriso enchia-lhe a cara inteira. Agarrou as mãos do Ilídio.

Já viste? Estamos na França. Já estamos na França. O Ilídio tirou as mãos, não conseguia ser proprietário do mesmo entusiasmo. Antes disso, queria chegar a Paris. O Cosme já estava imparável, tinha vencido a guer­ra. Guerra, qual guerra? E encheu essas horas com pro­messas, com planos. No dia seguinte, ia tratar de uma lista infinita de assuntos. A França já era dele. O Ilídio estava como se o ouvisse, tinha a posição de estar a ouvi-lo, ti­nha o olhar, tinha uma expressão que era exactamente como se o ouvisse.

Estavam quase a chegar a Paris quando o Cosme repa­rou que o homem ainda não tinha regressado. Enumerou possibilidades por comprovar, e deu-se como voluntário para ir buscá-lo. Foi.

O Ilídio esperou, esperou, mas foi só quando estavam mesmo a chegar à estação, a placa Paris-Austerlitz num muro, que o Cosme regressou e disse: Ninguém sabe dele.

O Ilídio, pouco convencido, disse-lhe para ficar no va­gão enquanto o ia buscar. Varreu a carruagem de primei­ra classe em pouco tempo, nada. Entrou para as outras carruagens, havia homens a empurrarem-se, a apertarem-se nos corredores, corpos com rostos. O comboio parou.

 

O Ilídio foi rejeitado de um lado e de outro por pessoas que queriam sair. Já no comboio deserto, coberto de destroços, o Ilídio passou por cada canto daquela máquina imensa, abriu as portas de correr dos vagões e abriu as portas que separa­vam as carruagens, o cheiro a óleo negro, e nada. Em todos os lados, nada. Na estação, havia multidões de portugueses a abraçarem-se, irmãos e primos de boina, filhos a serem levantados no colo, esposas comovidas, sentidas, chorosas. O Ilídio voltou ao vagão de primeira, onde encontrou o Cosme, na mesma posição em que o tinha deixado. Então?

Não sabiam o que fazer. Chegou o revisor e facilitou-lhes a escolha, tinham de sair. Juntos, levaram a mala do homem, grande carrego, e desceram na estação. Estavam na França, estavam mesmo na França, mas não sabiam o que fazer. A estação ficou vazia de todos os que tinham vindo naquele comboio estafado. (...)

À porta da estação, angústia, precisavam de uma ci­dade enorme que os recebesse. Paris tinha um tamanho que, naquele momento, ainda não eram capazes de cal­cular. Foi preciso atravessarem pontes sobre o Sena, an­darem muito, calcorrearem praças, avenidas, quilómetros de passeios, até serem capazes de respirar fundo e, por fim, por fim, perceberem que tinham chegado.

 







Дата добавления: 2015-10-19; просмотров: 307. Нарушение авторских прав; Мы поможем в написании вашей работы!



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